Aterrisagem conceitual
Quando falamos sobre métodos, tratamos de duas dimensões diferentes que coexistem e se complementam:
- Uma relacionada à abordagem mais ampla e sistemática, que planeja o projeto como um todo e organiza suas fases, objetivos e instrumentos específicos para cada momento;
- outra relacionada às ferramentas necessárias para executar cada fase ou tarefa determinada — ferramenras como como técnica de grupo nominal, desenhos de jornadas, entrevistas, mapas de empatia, formas de prototipação, business canvas model, entre tantas outras.
Origem dos problemas
Grande parte dos métodos que dominaram o mundo da inovação vêm de lugares como Califórnia, Reino Unido, Alemanha e Japão, e por isso não é de se espantar que eles apresentem limitações ao serem aplicados no “copia-e-cola" no Brasil.
⚠️ Esse não é um discurso de apologia ao complexo de vira-lata, mas um sinal de alerta para todas as pessoas que acreditam em fórmulas mágicas, tanto por parte dos prestadores de serviços de inovação quanto pelos possíveis beneficiários desses métodos — empresas, fábricas, startups etc.
No Brasil, a mentalidade quick win (“vitória rápida”) é tão enraizada quanto o feijão-com-arroz, inclusive porque os desafios para inovar na nossa economia são muito complexos.
As realidades que nos deparamos nesses 10 anos de Primata — e mais de 400 projetos — são muito diferentes dos contextos desses países do norte do globo, especialmente com relação ao nível de investimentos e tempo disponível para colher resultados:
- O DeepDive, por exemplo, demanda investimentos relativamente muito altos, e costuma demandar vários meses de trabalho.
- O Design Sprint não é recomendado no formato do livro nem mesmo pelos próprios autores, porque poucas empresas podem se dar ao luxo de dedicar equipes inteiras. Recomendamos a leitura do artigo Por que você deveria fazer Design Sprints mais longos (em inglês).
- O Diamante Duplo acabou de ser aposentado pelo próprio British Design Council, pois se mostrou ultrapassado em frente aos formatos ágeis atuais.
Para além das metodologias mais amplas, também sentimos necessidade de adaptarmos ferramentas como matriz estética da marca, business e mvp canvas, brainstorm, how might we's, técnica de grupo nominal, entre outras, o que no final também nos motivou a criar ferramentas completamente novas para os nossos métodos, do macro ao micro e vice-versa.
Diamante Triplo
Em meados de 2015 nós iniciamos a consolidação do nosso primeiro método de design, o Diamante Triplo, buscando aproveitar os benefícios dos métodos e ferramentas já consagrados. Tempos depois encontramos o Diamante Triplo da Zendesk e ficamos surpresos com algumas das similaridades.
O processo de design ficou definido em três etapas:
- Cavoucar até encontrar os diamantes brutos, ou seja, as matérias primas da criação e os conceitos fundamentais do projeto: dores, referências, ideias, estratégias etc.
- Lapidar as ideias para apresentar a todas as pessoas impactadas pelo projeto: usuários, consumidores, stakeholders, engenheiros, desenvolvedores, equipe de marketing etc.
- Entregar o trabalho de forma técnica e detalhada para as equipes de desenvolvimento e implementação, acompanhando programadores (no caso de produtos digitais) e engenheiros (em produtos físicos) para ajudar a validar versões prévias até o lançamento final.
E se agilizássemos o Discovery e o Setup do projeto, para validarmos as ideias o quanto antes?
Em pouco tempo percebemos que o aprendizado na etapa de validação era tão impactante que acabava redefinindo muitas das premissas definidas no início do discovery. Por que, então, não focar logo nas validações?
Por mais que esse movimento seja comum na indústria dos produtos digitais, em 2015 ele nos parecia totalmente diferente das abordagens para produtos físicos que sempre víamos sendo feitas nas empresas e/ou ensinadas na faculdade.
Mas antes, o Diamante Triplo sofreu um baque que foi determinante nesse processo de lapidação:
Um Hot Dog selvagem aparece.
Enquanto onosso Diamante Triplo prevê um tempo de trabalho de ao menos três meses, quando recebemos o contato dos nossos parceiros da Gato Preto Classics pedindo um cronograma com validação de design de produto e marca dentro de duas semanas, nós tivemos que agir — e rápido.
Sem tempo a perder, imergimos na identidade da empresa e nas referências que faziam sentido no projeto, assim como nos processos que poderiam ser realizados no curto espaço de tempo.
Em menos de uma semana, apresentamos três caminhos conceituais e direcionamentos técnicos para produção do produto, baseados em diversas referências e inspirações que seriam determinantes para a identidade e a funcionalidade do produto.
Depois seguimos para embalagem e manual. Um dia nós ainda vamos contar mais sobre esse case em um artigo futuro, mas resumindo a história: o amplificador Hot Dog ganhou o Prêmio Objeto Brasil 2016.
Depois do Hot Dog, nosso olhar sobre como poderíamos fazer design mudou radicalmente, e nós continuamos imergindo no metadesign e no metodologismo durante aproximadamente 2 anos até a consolidação do Pique Primata (nossa versão do que seria um Design Sprint mais completo).
Primétodos: nossa abordagem própria para fazer Design
Por experiência, nós já sabíamos que cada projeto demanda certa flexibilidade metodológica, mas acabamos percebendo que o formato de três meses, da forma como acontecia, talvez não fosse o melhor caminho.
Na Campus Party de 2017 assistimos várias palestras que apresentaram diversos livros (listados no final deste artigo) que também foram importantes e serviram de base para a construção da nossa forma de fazer metadesign: os PriMétodos.
Mas agora vamos tentar segurar o nosso lado nerd-metodologista — que cultivamos nos últimos 8 anos — para tentar explicar da forma mais pragmática possível os fundamentos dessa mentalidade.
Antes de pensar nas etapas do trabalho, os fundamentos básicos da nossa abordagem é ético e filosófico. São princípios relaciondos à postura que precisamos ter diante de cada projeto:
Princípios:
- Saber flutuar do macro ao micro é crucial para o designer;
- Ser antidogmático e aplicar uma mentalidade científica é o mínimo que se espera em um processo contemporâneo;
- Co-Design: reduzir para 0 as refações causadas por conflitos de estratégia ou ego;
- Substituimos PPTs de venda de conceito por processos mais colaborativos, amparados por ferramentas de Visual Thinking;
- Documentação em tempo real através de workshops no Miro ou similares (e para isso os canvas ajudam bastante na hora de construir ou consultar as informações);
- Times que tenham diversidade de todos os tipos: formação, gênero, etnia, idade - quanto mais plural o time, mais plurais as ideias geradas e mais crítico ele pode ser;
- Se possível, substitua reuniões por workshops;
- Manter-se pragmaticamente focado nos resultados esperados do projeto é muito importante;
- Ficar sempre atento para saber se não tem como hackear / encurtar alguma parte do projeto sem comprometer os resultados que serão atingidos;
- Trabalhar unindo técnicas de UX (User Experience) e BX (Branding Experience) em todos os projetos - sempre em tentando criar valor simbólico e experiências memoráveis;
- Sempre há um viés de grupo e é preciso saber usá-lo a favor;
- Pensar na experiência dos participantes do projeto é tão importante quanto a experiência de quem será beneficiado por ele;
- Se for pra copiar o concorrente, é melhor nem nos chamar.
Esses itens não são mandamentos escritos em pedra, são apenas algumas das várias deretrizes que consolidamos com o tempo e achamos importante compartilhar por aqui.
A abordagem:
Nossos métodos funcionam como técnicas de navegação dentro do projeto (afinal muitas vezes somos direcionados para águas desconhecidas), e para guiar essa navegação de forma segura, nós definimos três etapas de abstração:
- Saber onde está o Norte: onde estamos e para onde vamos?
- Ter um Mapa do Projeto: qual o percurso e distância que estamos dos nossos objetivos?
- Montar um Roteiro Detalhado: como um waze, saber exatamente o que fazer em cada momento específico do percurso.
1. Saber o Norte
O primeiro momento exige o maior nível de abstração, e na prática significa saber onde estamos indo com o projeto, o que ele aborda e quais são os resultados esperados.
- É um produto físico ou digital, ou é um serviço?
- Almeja melhorar a experiência de consumo (CX)?
- Melhorar a organização da empresa?
- Desenhar um modelo de negócio?
- Uma inovação tecnológica?
- Digitalização de processos?
- Acelerar uma startup?
- Criar uma marca?
- Contar uma história?
- Pensar em um formato Circular e de Logística Reversa?
Essas respostas definem o que precisa acontecer no começo e no fim do projeto (inputs e outcomes).
Embora pareça simples, isso pode variar entre um relatório com OKRs ou roadmap, até blueprints de serviços, arte final, modelos 3D, fotografias, modelos de clichês gráficos, recomendações de aquisições, estratégia de mercado e diversos outros formatos.
2. Mapa do Projeto
Depois que sabemos onde está o norte, precisamos entender e mapear os recursos disponíveis (tempo, equipe, equipamentos, recursos financeiros etc.) e definir os volumes de trabalho em cada momento do projeto, de forma relativamente similar às três fases do Diamante Triplo, mas com alguns aditivos.
∅ - Fundação do Projeto:
- Qual a motivação por trás do projeto?
- Qual a equipe de trabalho?
- Quais os objetivos e resultados esperados?
- Quem está patrocinando o trabalho que será feito?
Ⅰ - Quanto tempo de imersão é estratégico?
- Quais ferramentas de pesquisa utilizaremos?
- Será necessária a realização de visitas técnicas ou visitas de campo?
- Quem são as pessoas envolvidas no projeto? (Stakeholders, usuários, consumidores, funcionários, fornecedores, parceitos etc.)
- Quem são os atores mercadológicos que competem com o produto do projeto?
Ⅱ - Quantos ciclos de experimentação serão necessários?
- Como construiremos os primeiros experimentos?
- Como será realizada a validação das hipóteses?
- Como saber o momento de parar de experimentar e começar a desenvolver, ou seja, quando o aprendizado é suficiente?
Ⅲ - O projeto prevê uma entrega técnica pontual ou desenvolvimento contínuo?
- Qual a nossa relevância para o desenvolvimento?
- Qual o formato da entrega técnica?
- Qual será a intensidade da nossa participação no desenvolvimento?
- Como e quando vamos validar as versões de engenharia / desenvolvimento?
3. Roteiro Detalhado
Depois que o Mapa do Projeto está bem definido, conseguimos escolher e adequar nossas mais de 50 ferramentas — que foram criadas ou remodeladas por nós durante todos esses anos.
A maioria das ferramentas é direcionada pelo processo de Visual Thinking, ou seja: temos canvas para cada etapa ou atividade do projeto para registrar as informações necessárias.
Além de definir as ferramentas que serão aplicadas, também definimos como vamos executá-las no projeto:
- Faremos workshops? (Provavelmente sim, e muitos!)
- Quem estará envolvido em cada atividade?
- Quais técnicas e ferramentas usaremos para prototipar e experimentar as ideias?
- Quais técnicas e ferramentas usaremos para construir a entrega técnica do projeto?
- Qual será o ritmo de encontro das equipes (agenda de trabalho)?
A construção do roteiro é o momento mais complexo e delicado do metadesign, e não raramente precisa sofrer adequações no meio do caminho, conforme avançamos no projeto.
Quando começamos a beber nas fontes da Agilidade e Formatos Enxutos, ficamos ainda mais empolgados com essa liberdade de adaptar o roteiro conforme as necessidades, porque o senso crítico e a lógica não podem perder espaço diante da fé cega em fórmulas prontas.
Você não entraria com o carro em um lago só porque o waze indicou um caminho errado, não é mesmo?
Sim, basicamente todos os projetos terão etapas de análise, definição, ideação, prototipagem, teste e implementação, mas a sequência e o ciclo desse processo, e especialmente a forma como cada uma dessas etapas será realizada, é o que faz toda a diferença. A questão principal não é o que vai ser feito, e sim como.
Parabéns para você que chegou até aqui 🥳🎉👏
É possível que isso indique que você é uma pessoa nerd e metodologista assim como nós, e talvez queira saber um pouco mais sobre como fazemos tudo isso.
Pode até parecer um pouco caótico, mas com a prática nós ficamos cada vez mais rápidos e proficientes na leitura dos diferentes desafios que surgem todos os dias.
Depois de certo tempo aplicando essa mentalidade, começamos a identificar padrões mesmo entre projetos totalmente diferentes, e os PriMétodos começaram a virar "Produtos de Design", sendo que o nosso grande xodó é o Pique Primata — que merece um artigo só para ele (em breve!).
Sabemos que fazer design é um desafio diferente em cada ambiente onde ele é feito, e tudo muda o tempo todo, mas esse foi o caminho que encontramos e aplicamos na Primata nos últimos 8 anos para atender projetos extremamente diversos em alto nível.
Este artigo foi escrito por diversas mãos e mentes, e esperamos que ele te ajude de alguma forma. Se ele foi útil para você, salve nos favoritos ou compartilhe com outras pessoas que possam se interessar, afinal as abordagens de design não precisam ser exclusivamente importadas ou restritas em livros, e seus benefícios podem ir muito além do mundo do design — como o Design Thinking tem demonstrado.
E não esquecemos das referências que prometemos, aproveite:
- 101 Design Methods: A Structured Approach for Driving Innovation in Your Organization, de Vijay Kumar.
- Metadesign: Ferramentas Estratégicas e Ética para a Complexidade, de Caio Adorno Vassão.
- Lean Inception: Como Alinhar Pessoas e Construir o Produto Certo, de Paulo Caroli.
- Sprint: O Método Usado no Google Para Testar e Aplicar Novas Ideias em Apenas Cinco Dias, de Jake Knapp, John Zeratsky, Braden Kowitz.
- Business Model Generation, de Alexander Osterwalder, Yves Pigneur e mais de 400 pessoas.