De onde vem esse hype?
O nome Design Thinking se consolidou na década de 1960, quando engenheiros e cientistas se interessaram pela forma que os designers realizavam seus projetos, utilizando metodologias mais exploratórias, com diversas prototipagens e testagens até a elaboração do produto final.
Para além desse aspecto incremental e circular, os designers se destacavam pela habilidade de convergir interesses diferentes na elaboração dos projetos, como marketing, engenharia e negócios, partindo de uma abordagem holística que muitas vezes utilizava referenciações não convencionais e aproveitava conhecimentos de especialistas de várias disciplinas.
Para o Designer, o Design Thinking é apenas o Thinking, ou seja, essa já é a sua forma de trabalhar no dia a dia.
Com o passar do tempo, ficou evidente que esse olhar do designer poderia ser aproveitado em muitas áreas para além da indústria, como administração, organização de empresas, recursos humanos, educação, saúde, políticas públicas, serviços públicos e privados e basicamente qualquer trabalho criativo.
Frustrações com o Design Thinking
O que deveria ser um momento de trabalho colaborativo, com uma equipe multidisciplinar para identificar problemas e propor soluções conjuntas, muitas vezes se tornou uma espécie de oficina motivacional, com interações e participações sem objetivos claros, embasadas na aplicação de supostas "fórmulas prontas".
Essas oficinas eventualmente se parecem mais com uma palestra, uma terapia em grupo ou uma ação para engajar os funcionários, do que propriamente um processo de design para entender problemas de maneira profunda, idear e prototipar soluções, em ciclos contínuos com testagens e validações.
Destacamos três problemas que "são raros mas acontecem muito":
1. Mandachuva solitário, colaboração arruinada
O trabalho verdadeiramente em equipe envolve muitas questões práticas e simbólicas, as vezes escancaradas, as vezes sutis, que tanto podem extrair o melhor de cada um quanto comprometer as participações — e consequentemente todo o projeto.
Quem nunca participou de uma oficina de DT em que só uma pessoa tinha voz? Ou aquele ambiente onde as pessoas tinham receio de se expressar? Ou até mesmo viu ideias de destaque sendo descartadas por decisões individuais, arbitrárias e questionáveis?
Na Primata, as boas práticas do Pique Primata envolvem anotações anônimas e o conceito de "juntos mas separados", o que garante o direito de voz para todos, e promove uma dinâmica em que o decisor atua somente em momentos pontuais e estratégicos, não interferindo no nosso processo darwiniano de ideias.
Esse processo darwiniano favorece as melhores ideias de modo colaborativo e horizontal, independentemente dos caprichos pessoais. Dessa forma conseguimos potencializar o lado criativo de cada um, priorizar a colaboração e conciliar todas as criações com os interesses do próprio projeto, sem vieses nem apegos.
2. Muita gaveta pra pouco protótipo
Outro problema muito comum nas oficinas de DT é uma espécie de fechamento ao término dos workshops, em que todos voltam aos seus afazeres diários.
Se a equipe não consegue ver algum resultado no curto espaço de tempo, as pessoas rapidamente se esquecem da experiência, ou na melhor das hipóteses, se lembram de um momento diferente de trabalho em conjunto, em que aparentemente foram ouvidas dentro da empresa, mas dificilmente assimilam o DT como uma abordagem eficiente que proporciona uma inovação ou resolve determinado problema.
Para além desse aspecto mais motivacional, a falta de protótipos e resultados no curto prazo também influencia diretamente no sucesso (ou fracasso) de todo o projeto, porque os protótipos iniciais, por mais básicos que sejam — famosos “porcótipos” — continuam sendo fundamentais para a realização de testagens, validações e novas interpretações para futuros desenvolvimentos e aprimorações, o que vai muito além de “voltar ao ciclo do diamante duplo”.
Na Primata, damos prioridade máxima para o desenvolvimento dos protótipos logo após a conclusão das oficinas, o que permite que os ciclos de experimentação sejam realizados o mais rápido possível. E por que isso é tão importante?
Porque uma das premissas do design — desde os primórdios — é conceber e testar ideias para aumentar as chances de sucesso das soluções, sem se expor a riscos desnecessários, e isso só é possível quando temos um entregável palpável e bem definido, da mesma forma que o risco só diminui quando sua aplicação é colocada à prova.
3. Fórmula mágica, visão limitada
Por fim, chegamos no maior problema de qualquer oficina de Design Thinking: quando o “Thinking” sobressai ao “Design”. Talvez por influência do nome, muitas pessoas naturalmente associam o DT com um momento de ideação e brainstorm, e isso resulta em duas desvirtuações graves.
Primeiro, a falta da devida atenção ao momento de discovery pode fazer com que as soluções não tenham a abrangência ou o direcionamento necessário para o projeto, e dessa forma, por mais que as respostas possam parecer excelentes, se elas não respondem as perguntas verdadeiramente importantes, qualquer resultado será limitado.
Segundo, o DT não é uma fórmula mágica para ser aplicada. Como já falamos antes, qualquer projeto de design precisa saber como utilizar as técnicas, ferramentas e metodologias com um direcionamento personalizado para cada projeto.
As próprias essências do design envolvem a abordagem holística, as correlações não usuais, a colaboração multidisciplinar e o olhar estratégico para estruturar devidamente qualquer projeto, e sendo assim, toda técnica, ferramenta, canva, metodologia e afins deve ser vista apenas como um instrumento.
Em uma analogia com a música, um instrumento de qualidade não significa uma música de qualidade, assim como um excelente músico precisa do devido instrumento para produzir em alto nível.
Sem essa perspectiva ampliada, ou sem saber como aproveitar os instrumentos nos momentos certos para extrair os melhores resultados, é compreensível que o Design Thinking se transforme em uma espécie de evento, porque ele não é uma receita de bolo que demanda a simples aplicação passo a passo para gerar resultados espetaculares. Nem na culinária as coisas funcionam assim.
Na Primata, tanto quanto designers, nos definimos como metodologistas especialmente por conta dessa preocupação — e modéstia à parte, os conhecimentos adquiridos em centenas de projetos — para criar, modelar, evoluir e adaptar nossos instrumentos do Pique Primata em cada projeto.
Hoje temos dezenas de canvas estruturados para os workshops e as sessões de colaboração em time, alguns muito conhecidos, outros criados por nós, e nem assim podemos cogitar a ideia de possuir fórmulas prontas. Para provar que isso não é um exagero, este artigo está sendo publicado logo após uma oficina do Pique Primata, e acredite, há poucos dias aplicamos uma ferramenta totalmente nova, que foi estruturada para atender as necessidades específicas daquele momento do projeto.
Correlações com o Kung Fu (Wushu)
Muito mais do que “um tipo de luta”, o Kung Fu é um estilo de vida holístico que se estende além de técnicas de combate e treinamentos físicos, incluindo por exemplo a adoção de uma dieta saudável, autodisciplina, desenvolvimento de virtudes humanas como paciência e humildade, além de momentos de introspecção e contemplação através da meditação, e diversos outros pontos que são aplicados em praticamente qualquer aspecto da vida.
Essa visão sistêmica e sinérgica também deve estar presente em todo projeto de design, especialmente pelo potencial que essa visão cria para gerar associações entre coisas e universos aparentemente distantes, e resolver problemas de forma direcionada e verdadeiramente única.
Outra essência do design, a abertura para novas interpretações e aprendizagens também se relaciona estritamente com um dos maiores problemas das oficinas de Design Thinking, que é o apego quase automático ao momento de ideação, que deveria ser apenas uma das etapas do projeto.
É compreensível que diante de um problema as pessoas sintam certa ansiedade para descobrir rapidamente as respostas, mas o atropelo das etapas de descoberta, sem uma imersão profunda e sem efetivamente ouvir as pessoas (incluindo a equipe do projeto, clientes, usuários ou realmente qualquer pessoa) é o que faz com que tantas oficinas não gerem resultados.
Em uma analogia mais direta, a geração de ideias pode ser igual a tentar imaginar novos movimentos para o Kung Fu: a utilidade e o sucesso da execução são muito mais importantes do que qualquer genialidade que fique restrita ao plano das ideias. Em outras palavras, idear é fácil, mas canalizar, executar e melhorar ideias de sucesso é muito mais difícil.
Por fim, muitos processos apelidados de Design Thinking não sabem aonde querem chegar. Se um processo não possui produtos para serem prototipados, avaliados, testados e implementados, se não altera nem propõe novos contextos, ele pode ser um processo de alguma outra coisa, mas não de design.
Quando o Design Thinking é bem aplicado, os resultados sempre ficam evidentes e as pessoas percebem claramente os seus benefícios.